Ia ser um dia qualquer, mas alguém me parou na frente de um sebo
E:
“Você sabe o que é uma rocha metamórfica?”
Ia ser um dia qualquer, mas alguém me parou na frente de um sebo
E:
“Você sabe o que é uma rocha metamórfica?”
Os constrangimentos.
A cumplicidade.
Os estranhamentos.
A falsa amizade.
A curiosidade.
Os silêncios.
O desajeitado.
O fim.
Os fragmentos.
A morte.
A morte do homem.
O retorno da imaginação.
Você sobrevive ao sutil?
Saindo da aula de um professor, ouvi dele desculpas. “Eu peço desculpas por esse mundo trágico que estamos deixando.”
Senti um forte pesar por essa frase. Talvez o mais triste desse momento pandêmico é ver a tristeza nos olhos daqueles que tanto lutaram — e ainda percebem essa trajetória como insuficiente.
Isso me doi mais que qualquer futuro ou qualquer presente que eu tenha que enfrentar.
O mundo que eu quero é aquele que não machuca aqueles que nele vivem ou viveram.
Não, não peça desculpas.
Ao limpar aqui minhas anotações em tempos de quarentena, achei um papel antigo sobre uma roda psicanalítica que aconteceu no Al Janiah logo após as eleições de 2018 com algumas falas de quem lá esteve. Lembro que havia gente de todo o tipo e a dor só começava naquele momento.
O principal era não entender o pouco caso que se fazia da homofobia, do racismo, da democracia. Muito choro. Muitas perguntas. Muita angústia. Um momento especial em que as pessoas tentavam se conectar. Não sei se conseguimos. Ainda mais agora….
“Eu ando na rua e fico procurando quem me odeia”
“O que as pessoas desejam? Elas querem te reprimir. Querem também reprimir a elas mesmas. É como um eletrochoque, elas querem te aniquilar.”
“Minha mãe foi torturada na ditadura e agora votou nele. Eu queria perguntar pra ela o que ela fazia, como ela sobreviveu a tudo aquilo, como ela se divertia no sábado à noite, mas eu não pude, perdi a referência.”
“Hoje virei para um colega médico e disse que tinha ocorrido um atentado. Ele simplesmente virou pra mim e disse: ‘tem radicais dos dois lados’. Eu fiquei em choque. Perdemos totalmente a empatia.”
“A gente perdeu o título de brasileiro cordial e essa é uma ferida agora.”
“Sou da Colômbia. É a minha terceira vez como imigrante. Há alguns anos, eu joguei uma mochila nas costas. Eu era jovem. Eu não tenho mais essa força psíquica pra sair do Brasil.”
“O junto tem a dimensão do humano. Eu sinto que eu falhei com o Brasil, eu sinto que eu falhei com os brasileiros”
“Eu me vi roubada da potência de ser gente”
“Meu amigo trans ficou 1h20 com a polícia, que tentava enquadrá-lo de todas as maneiras, mas não encontraram nada.”
“Tinha uma violência muda que o Bolsonaro soube agenciar.”
“Eu não consigo conversar com a fé.”
Encontrei uma amiga no ato pela educação. Como ela estava cansada, me prontifiquei a segurar seu cartaz.
Suplicy passa ao meu lado. Alguém tira uma foto. Lembrei de uma máxima de protesto ignorada por mim: “melhor ler um cartaz antes de segurá-lo”.
Li. Era sobre a Marielle. Lembrei de um artigo sobre compartilhamento de fake news: não é sobre verdade, é sobre confiança.
Fim.
“Nietzsche dizia, sobre os grandes problemas, que eram como os banhos frios, é preciso entrar rápido e sair da mesma forma.”
Trecho do “Jamais fomos modernos” (LATOUR, Bruno).
Gustav Aschenbach era o poeta de todos aqueles que trabalham à beira da exaustão, dos que carregam um fardo superior a suas forças e, mesmo esgotados, se mantêm ainda de pé, de todos esses moralistas que têm por máxima o dever de produzir e que, de porte franzino e dispondo de meios precários, à custa de prodígios de vontade hábil organização, conseguem obter, ao menos por algum tempo, efeitos de grandeza. Há muitos deles: são heróis dessa época. E todos eles se reconheciam na sua obra; nela se encontravam justificados, poeticamente enaltecidos e, cheios de gratidão, difundiam seu nome.
(Thomas Mann)